EDIFÍCIO ESPLENDOR
- mirandaraziel
- Jan 16, 2023
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I.
A vida secreta da chave.
Os corpos se unem e
bruscamente se separam.
O copo de uísque e o blue
destilam ópios de emergência.
Há um retrato na parede,
um espinho no coração
uma fruta sobre o piano
e um vento marítimo com cheiro
de peixe, tristeza, viagens…
Era bom amar, desamar,
morder, uivar, desesperar
era bom mentir e sofrer
Que importa a chuva no mar?
a chuva no mundo? o fogo?
Os pés andando, que importa?
Os móveis riam, vinha a noite,
o mundo murchava e brotava
a cada espiral de abraço.
E vinha mesmo, sub-reptício,
em momentos de carne lassa,
certo remorso de Minas Gerais.
Gerais, a extinta pureza…

II.
As complicadas instalações do gás,
úteis para suicídio,
o terraço onde as camisas tremem,
também convite à morte,
o pavor do caixão
em pé no elevador,
O estupendo banheiro
de mil cores árabes,
onde o corpo esmorece
na lascívia frouxa
da dissolução prévia.
Ah, o corpo, meu corpo,
que será do corpo?
Meu único corpo,
aquele que eu fiz
de leite, de ar,
de água, de carne,
que eu vesti de negro,
de branco, de bege,
cobri com chapéu,
calcei com borracha,
cerquei de defesas,
embalei, tratei?
Meu coitado corpo
tão desamparado
entre nuvens, ventos,
neste aéreo living!

Carlos Drummond de Andrade
Imagens: papel caderno e bolígrafo,
numa tarde belohorizontina
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